terça-feira, 17 de abril de 2012

tretas pedagógicas

Liberalismo é a Doutrina que tomou para si a defesa e a realização da liberdade no campo político. Nasceu e afirmou-se na modernidade e pode ser dividida em duas fases: primeira, a do séc. XVII, caracterizada pelo individualismo; segunda do séc. XIX, caracterizada pelo estatismo.
 A primeira fase é caracterizada pelas seguintes linhas doutrinárias, que constituem os instrumentos das primeiras afirmações políticas do liberalismo. : a) jusnaturalismo, que consiste em atribuir ao indivíduo direitos originários e inalienáveis; b) contratualismo, que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenção entre indivíduos; c) Liberalismo econômico, próprio da escola fisiocrática, que combate a intervenção do Estado nos assuntos econômicos e quer que estes sigam exclusivamente seu curso natural. d) como consequência global das doutrinas precedentes, negação do absolutismo estatal e redução da ação do Estado a limites definidos, mediante a divisão de poderes. O postulado fundamental dessa fase do Liberalismo é a coincidência entre interesse privado e público. Jusnaturalistas e moralistas, como Bentham, acreditavam que bastava ao indivíduo buscar inteligentemente sua própria felicidade para estar buscando, simultaneamente, a felicidade dos demais. A doutrina econômica de Adam Smith baseia-se no pressuposto análogo da coincidência entre o interesse econômico do indivíduo e o interesse econômico da sociedade.
 A segunda fase do Liberalismo começa quando esse postulado entra numa crise cujos precedentes se econtram nas doutrinas políticas de Rousseau, Burke e Hegel, bem como no fato de que, no terreno político e econômico, o Liberalismo individualista parecia defender uma classe determinada de cidadãos (a burguesia), e não a totalidade dos cidadãos. O contrato social (1762) de Rousseau já constitui uma guinada no individualismo. Para Rousseau, os direitos que o jusnaturalismo atribuíra aos indivíduos pertencem apenas ao cidadão. '' O que o homem perde com o contrato social é sua liberdade e o direito ilimitado a tudo o que o tenta e que ele pode obter; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. ''. Mas, na realidade, só ''a obediência à lei que ele mesmo prescreveu é liberdade'', de tal forma que só no estado o homem é livre. (Contrato social,I, 8). A afirmada infabilidade da ''vontade geral'', resultante da ''alienação total de cada associado com todos os seus direitos a toda a comunidade'', transforma aquilo que para o individualismo é a coincidência do interesse individual com o interesse comum na coincidência -preliminar e garantida - do interesse estatal com o interesse individual. Dessa forma, ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o indivíduo, contra a qual o Liberalismo se insurgira em sua primeira fase. Tal superioridade também é reconfirmada por Burke: '' A sociedade é um contrato, mas ,embora os contratos sobre objetos de interesse ocasional possam ser desfeitos a bel-prazer, não se pode considerar que o Estado tenha o mesmo valor de um acordo entre as partes num comércio de especiarias e café''. [...] Deve ser considerado com reverência porque não é a participação em coisas que servem somente a existência animal [...]: é uma sociedade em todas as ciências, em todas as artes, em todas as virtudes e em toda a perfeição''. (Reflection on the Revolution in France, 1790; Works, II, p.368). Mas o ponto alto desta doutrina encontra-se em Hegel, para quem ele é ''o ingresso de Deus no mundo'', razão pela qual seu fundamento é a potência da razão que se realiza como vontade'' (Fil. do dir., s 258, Zusatz). Com essa exaltação do Estado concordava outro ramo do romantismo do século XIX, o positivismo:
Comte preconizava um estatismo tão absolutista quanto o Hegeliano (Système de politique positive, 1851-54;IV, p65), e Stuart Mill, mesmo sem fazer concessões às concepções absolutistas, deixava grande margem à ação do Estado, mesmo no domínio que, para o liberalismo clássico, deveria ficar reservado exclusivamente para a iniciativa individual: O econômico. O ensaio Sobre a liberdade (1859) de Stuart Mill, tendia, ao mesmo tempo, a retirar a liberdade do rol de condições indispensáveis para o exercício da atividade moral, jurídica, econômica etc. ( segundo a concepção do Liberalismo clássico), e a transformá-la num ideal ou valor em si (independente das possibilidades que oferece). Isso não impede que essa obra seja uma das mais nobres e apaixonadas defesas da liberdade.
Nas primeiras décadas do século XX assistiu-se à continuação desse Liberalismo estatista. Tanto o idealismo inglês quanto o italiano insistiram no caráter divino do Estado. Foi o que fizeram Bosanquet (The Philosophical Theory of the State, 1899) e Gentile, que identificou o Estado com o Eu Absoluto ( Genesi e struttura della societá, póstuma, 1946) A inspiração Hegeliana prevalecia também na doutrina de Croce, que no entanto permaneceria fiel ao ideal clássico de liberdade, demonstrando-o na prática, durante o fascismo. Para Croce, Liberalismo é a doutrina do desenvolvimento dialético da história, que tudo absolve e justifica, mesmo o absolutismo e a negação da liberdade. O socialismo marxista pode ser considerado uma das manifestações dessa mesma forma de liberalismo (ao qual se liga diretamente através de Hegel).
Os partidos políticos que, a partir do início do século XIX, desfraldaram a bandeira liberal inspiraram-se em uma e em outra das diretrizes fundamentais ora expressas: individualismo ou estatismo.  Portanto, um grande número de correntes políticas díspares e por vezes opostas puderam falar em nome do Liberalismo: partidos que negaram o valor do Estado (como o radicalismo inglês do século passado), partidos que exaltaram o valor do estado ( como a chamada direita histórica da Itália após o risorgimento), partidos que recusaram qualquer ingerência do estado em assuntos econômicos (como fazem ainda hoje alguns partidos liberais europeus.), partidos que defendem a intervenção do estado na iniciativa e na direção dos negócios econômicos, partidos que consideram a liberdade como condição para a prática de qualquer atividade humana e partidos que a relegaram para o empíreo dos ''valores'' puros. Esses contrastes são a manifestação evidente do caráter compósito da doutrina liberal, caráter este que decorre do modo aproximativo e confuso como foi tratada a noção que deveria ser fundamental para o Liberalismo : a de liberdade. O recurso casual ou sub-reptício a um ou outro dos conceitos de liberdade elaborados na história do pensamento filosófico tornou a idéia liberal em política confusa e oscilante, conduzindo-a por vezes à defesa e à aceitação da não liberdade.


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