Comecei este texto quando trombei o Armando e a Ana ontem na goma deles, aqui mesmo, em L.A, Largo do Arouche, região abissal paulista localizada entre a boca do lixo e a cracolândia, espaço prova empírica do refrão que diz que o homem é o lobo do homem.
Desde que eu voltei da Irlanda, ainda não tínhamos os três colocado o papo em dia e a água de nossas privadas mentais ainda estava em descompasso de hemisférios, sentido horário e anti horário, ativamente.
Ativamente, as pessoas que estão no rolê são pessoas que fazem com que tenhamos mais vontade de seguir no rolê.
Rolê. Isso, rolê. O abstrato conceito que engloba as esferas mais diversas, mas que inevitávelmente interseccionam-se em pontos base indefinidos, mas sempre sentidos pelos que nelas atuam.
Mano, depois de um bom tempo, é do caralho encontrar os dois e ver que transubstanciaram um cúbiculo no centro de São Paulo em um lar digníssimo, e ver que andam de long pelas caóticas ruas do centro, que a música boa é o pão de cada dia, e que o assunto sociológico e geográfico, do Cabeça e da Ana, respectivamente, perpassam e transcendem o ralo e fraco limite acadêmico.
Digo isso, pois saí de lá com um livro deles, As veias abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Disse Herman, o monstro, ontem, que esse é um livro que todos mundo tem a obrigação de ler. E agora pela manhã, depois de escovar os dentes com mais café ainda, já tenho essa certeza.
Além de não ter terminado o livro, e com a certeza da incapacidade de uma análise, mesmo que fraca, da obra, digo apenas que senti com o Galeano o sentimento que mais gosto e prezo de sentir nessa minha vida.
O Galeano me fez sentir o mesmo sentimento que senti com os dois ontem, que é o mesmo sentimento que sinto sempre com os meus grandes Mouro e Mari, e sinto também com minha tríade preferida Dara, Lele e Mi, também com os notáveis Andread e Liniker, o saudoso Moita, também o eixo paulista Primão, Danilo e Plinião, e mais algumas outras poucas pessoas especiais e raras que conheço.
Nesta madrugada, o Galeano me fez sentir o sentimento de que quando eu o escuto, estou escutando coisas que possuem um corpo, certamente insuflado por uma voz de quem vive o que estuda. E é esse corpo (ou essa alma) que faz com que os dados e pesquisas, romances e poesias, letras e mais letras, lidas ou discutidas, não se tornem, como disse Bilac, esplendor e sepultura.
E além de muitos outros problemas, é por isso que, assim como toda a educação, a universidade precisa urgentemente ser repensada.
Essa incomunicabilidade reinante entre a Universidade e a sociedade, talvez não resida nos objetos de estudos, por mais metafísico que eles sejam, mas sim nos que estudam estes objetos.
Uma provável tangibilidade de idéias virá quando as pessoas começarem a se interessar também pelas pessoas, e não só com prazeres pessoais e benefícios vinculados a uma ascenção acadêmica. Os que carregam a vida acadêmica, como quem carrega um serviço num escritório, são pessoas que me fazem ter vontade de vomitar.
Poder-se-á formar um verdadeiro diálogo construtivo, no momento em que a produção de conhecimento deixar de ser uma produção, fugindo do que o que seu próprio nome intrinsicamente define, e desvinculando totalmente a noção de evolução e progresso de uma outra noção distinta, a de prosperidade econômica.
Essa distância de cabeça e coração precisa ser encurtada, estradas precisam urgentemente serem criadas. Estudo sem vida é a coisa mais desnecessária que já existiu no mundo. E não estou falando da incrível desnecessariedade poética de um Manoel de Barros, de um Paulo Leminski. Estou falando sim de uma imensa estúpidez egoísta e cega dos que, num país como sabemos ser o nosso, tem o privilégio de acesso ao estudo, mas insistem em não dar nem um ínfimo retorno a sociedade.
O processo de deixar que as coisas se manifestem por elas mesmas, é um processo que Heidegger define como fenomenologia, e depois complicadamente desenvolve e eu nada entendo. Mas, como aqui é um blog, e eu tenho a liberdade de dizer o que diabos eu quizer, bem, acredito que os sujeitos que não se divertem e não possuem um rolê de prazeres culturais, são exatamente os que não deixam que as coisas com que se ocupam se manifestem por elas mesmas. Ou seja, não deixam que o que estudam tenha vida.
E isso é tristíssimo. E mais triste é pensar que a culpa não é só deles. A culpa é principalmente de uma reitoria imbecil que proíbe festas e eventos culturais nos campus das universidades , que não entende que o diálogo deve perpassar cadeiras, salas de aula, professores e alunos. Reitoria que,não contente com isso, ainda apoia a militarização do campus e a terceirização dos serviços internos.
Claro, isso é reflexo de uma sociedade onde as politicagens apagam a alma das cidades e das pessoas, pensando cultura, arte e educação como meios eleitorais, e não como fins por si só, atividades existenciais.
Essa forma amarga como as coisas estão se dando nas universidades é um reflexo de um mundo cada vez mais chato e sem graça, um mundo que quando joga bola com outros mundos, leva a bola embora quando a mãe chama. Um mundo cuzão, eu diria. Um mundo que, não fosse a busca pelo sentimento que eu disse ter sentido com o Galeano, seria um mundo que cada vez menos eu faria questão.
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